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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A exemplar história de Mahmoud Reda e sua Trupe



Não podemos falar da dança no Egito nos últimos 50 anos sem falar do Grupo Reda. Esse grupo provocou grande impacto no Egito em seus aspectos artístico, social e cultural, com suas elaborações coreográficas inovadoras e criativas que se propuseram a levar ao palco o folclore egípcio de forma adaptada aos espetáculos.
O Grupo Reda começou como uma questão de família. Os Redas e Fahmys foram reunidos através do casamento - de Mahmoud Reda e Nadeeda Fahmy, irmã de Farida e mais tarde o casamento desta com Ali Reda, irmão de Mahmoud. Ambas as famílias tinham interesses em comum pela dança e tradição e cultura Egípcias. O sonho de Mahmoud Reda em apresentar um novo gênero de dança e forte desejo de Farida Fahmy por dançar foram o catalisador para uma bem sucedida e satisfatória empresa  artística. Mahmoud Reda foi bailarino principal até 1972. Ele ensinou os dançarinos e coreografava e dirigia todas as performances de palco. Com suas coreografias inovadoras, criou um gênero de dança que misturava vários estilos. Farida Fahmy foi bailarina principal por 25 anos. Ela era um modelo para os bailarinos contratados, e sua graça e elegância logo conquistaram os corações dos egípcios.
Mahmoud Reda
Mahmoud Reda nasceu no Cairo em 1930 em uma grande família de classe média. Seu pai foi autor e bibliotecário-chefe na Universidade do Cairo e, com sua esposa, teve uma família que estava imersa em sua herança cultural e em sintonia com o modernismo que estava varrendo o Egito na época. Era uma família com inclinação para atletismo e música.
O ambiente em que Mahmoud Reda cresceu foi um instrumento para a promoção de suas tendências artísticas. Foi nadador profissional, tendo desistido da profissão por considerá-la monótona. Mais tarde foi ginasta, tendo sido membro do time de ginástica que representou o Egito nas olimpíadas de 1952 em Helsinki. Nos anos 50, após assistir uma apresentação de uma companhia de dança folclórica Argentina, foi convidado a ser bailarino integrante, tendo viajado por diversos locais dançando com eles. Começou então a pensar a respeito da possibilidade de criar sua própria companhia, apresentando o folclore egípcio.
O frutífero ambiente familiar, os atributos físicos e sua criatividade foram grandes determinantes para sua carreira como bailarino.
Sua primeira esposa, Nadeeda Fahmy inspirou e encorajou Mahmoud Reda para perseguir suas ambições artísticas, e desenhou os figurinos para os primeiros shows da trupe. Os figurinos eram tão inovadores que são, até os dias de hoje, copiados por outras pessoas.
Ali Reda
Ali Reda, irmão de Mahmoud, foi um experiente homem no mundo do show business. Aos 16 anos já ganhava prêmios de dança em competições que eram populares na época, destacando-se em danças como o swing e o jitterbug, tendo sido, por isso, uma grande inspiração para Mahmoud Reda. Mais tarde voltou sua carreira para o cinema.
Nos anos de formação do Grupo Redaele atuava como conselheiro artístico e atendia a todos os problemas administrativos e gerenciais.
Dentre outros, dirigiu dois filmes no gênero de comédia musical para o Grupo RedaEsses filmes são hoje considerados como pedras angulares da história do cinema egípcioe são mostrados na televisão até os dias atuais.
A experiência anterior de Ali Reda em show business e sua forte personalidade foram fatores importantes no que diz respeito ao desenvolvimento bem sucedido da trupe.
 Uma importante decisão sua foi introduzir a música inovadora e extremamente atraente do Maestro Ali Ismail para o Grupo RedaAli Ismail combinou instrumentos ocidentais com instrumentos tradicionais egípcios, e apresentou a música tradicional com uma abordagem nova e fresca. Ele era um trunfo importante para a trupe e logo se tornou um compositor de renome no Egito. Suas composições têm inspirado muitas gerações de músicos egípcios a seguir seus passos.
Farida Fahmy
Seu pai, Hassan Fahmy, professor de engenharia industrial na Universidade do Cairo, era um homem excepcionalmente tolerante, que juntamente com sua esposa, estimulava as tendências artísticas e atividades esportivas de suas filhas. Resistiu às críticas dos anciãos da família e dos círculos acadêmicos quando permitiu que Farida se tonasse bailarina profissional. Assim, ele desempenhou um papel importante na legitimação da situação de dança profissional em um momento em que era considerada uma profissão de má reputação. O incentivo moral da dança de sua filha legitimou sua carreira de bailarina aos olhos dos egípcios e continua sendo, até hoje, um feito extraordinário. Sem dúvida, a sua personalidade carismática, sua posição social, bem como seus pontos de vista tolerantes exerceram uma profunda influência sobre a percepção do público deste esforço.
Farida nasceu em 1940, no Cairo, e por volta dos 18 anos, entrou para uma escola de Ballet. Foi uma das responsáveis por elevar dança e teatro egípcios ao nível das mais conceituadas artes. Seu estilo únicograça e elegância inspiraram gerações de bailarinos, fazendo com que ganhasse a admiração de seu público no Egito e no exterior. Sua dedicação, trabalho duro, disciplina e compromisso com a trupe criaram um modelo que foi imitado por gerações de dançarinos.
Mesmo enquanto atuava no Grupo Reda ela continuou estudando. Recebeu o título de Bacharel em Artes em Literatura Inglesa pela Universidade do Cairo em 1967, e seu título de Mestre em  Artes em Etnologia da Dança, pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. Sua imagem social e carreira artística, juntamente com suas realizações acadêmicas, faz crescer a visão positiva com relação a bailarinas atualmente.
Farida começou a dar aulas e workshops por volta do ano 2000, viajando pela Europa, Estados Unidos e América do Sul.
Reda Troupe
Foi fundada em 6 de agosto de 1959. Farida Fahmy foi a primeira bailarina da trupe.
Os cofundadores do Grupo Reda juntaram seus recursos, e com um orçamento pequeno, apresentaram a primeira performance no mesmo ano. Esta foi feita sem grandes estudos, pois havia pouco tempo para que fosse apresentada. Contava com seis bailarinas, seis bailarinos, e doze músicos. Mahmoud elaborava os shows a partir de historias que criava. Um dos temas foi “A Flauta Mágica”. Neste espetáculo um menino se apaixonava por uma menina fellaha da vila, mas o pai dela não aceitava o romance. Então o menino tocava sua flauta para que o pai ficasse mais suave. Com isso ele dançava com a flauta e terminava por concordar como casamento.
Após o sucesso do primeiro programa, Mahmoud Reda teve tempo para sua pesquisa. Pegou um grupo de 5 ou 6 dançarinas e foi para o Alto Egito estudar o real folclore. Pegou câmeras, gravadores, alguém para escrever... Eles conversavam com as pessoas, anotando histórias, ideias e escrevendo as músicas. Assistiam as danças e gravavam as músicas. Começaram em Aswan e foram até o Cairo. Em cada cidade ficavam cerca de 3 a 4 dias. Após esse estudo, Mahmoud Reda começou a perceber pontos positivos, mas também alguns problemas, no folclore egípcio. Comparou este a um tesouro que ninguém descobriu, mas observou que há muitas repetições, ou nos passos ou na melodia. “Então, você tem um tesouro, mas ao mesmo tempo o material é pequeno. Você não pode pegar um passo e coreografar uma dança de 5 minutos para palco... Quando você assiste a coisa real você fica feliz porque você se une,  você pode cantar com eles,  você pode até mesmo bater palma com eles, então você se sente feliz. Mas se você compra um ingresso para um Teatro, você não espera ver isso... Você não pode pegar uma árvore ou uma casa de seu lugar e colocá-la no palco. Mesmo que você coloque os bailarinos reais no palco eles estranharão, não saberão como se comportar. É melhor você ir até eles, se juntar a eles e ser feliz. Mas no palco é diferente. Então eu digo que minha coreografia não é folclore, mas é inspirada no folclore.” Diz Mahmoud Reda.
Interessante observar a postura de Mahmoud Reda diante dessas novas possibilidades que estava criando. Dizia ele que, embora isto não seja regra, há um risco quando você se inspira a criar sua própria coreografia, pois, quando você muda algo, isso se torna outra coisa, e as pessoas podem não gostar. É preciso usar o seu gosto. E o que torna tão fascinante a criação artística de Reda se evidencia em sua seguinte fala: “Eu pego um passo e me imagino como sendo uma daquelas pessoas. Se eu fosse uma daquelas pessoas e quisesse fazer uma variação daquele passo, o que eu poderia fazer? (...) Então eu faço todas as variações possíveis para aquele passo. É como o desenvolvimento de língua árabe: se você não tiver sorte, então, torna-se Inglês. Não é bom. Se você tiver sorte, vai conseguir manter o espírito apesar das modificações que fez aos movimentos. Eu tive sorte. Então, eu fiz tudo o que pude. Coloquei variações do mesmo passo e ainda assim as pessoas o veem e se reconhecem neles.” (Mahmoud Reda)
Outro ponto digno de atenção a quem se propõe estudar essa história diz respeito ao que inspirava Mahmoud Reda e ao processo de criação em si. Dizia ele que a inspiração “vem do nada”. Se ao dirigir avistasse uma mulher com uma roupa bonita, isso o inspirava; se ouvisse uma história ou alguém contando uma piada, isso também o inspirava... No momento em que criou sua primeira performance não tinha o músico, mas havia ideias, passos e ideias para a coreografia. Havia os bailarinos a quem ensinava. Assim, ele criou quase que a primeira coreografia inteira sem música e quando encontrava alguém que tocava tabla, dizia as contagens e o ritmo para que pudesse prosseguir. Quando Ali Ismail foi apresentado por Ali Reda, Mahmoud o mostrou as danças. Foi quando Ali Ismail escreveu as contagens e começou a compor para a trupe. Houve, porém, algumas dificuldades, já que a contagem musical de um coreógrafo é diferente da contagem de um músico. Com isso foram compostas, inicialmente, músicas além do necessário. Mas a primeira dança foi feita assim: coreografada “primeiro no tabla e depois colocada na música”. Mais tarde, ao se conhecerem melhor, as ideias puderam ser realmente compartilhadas e alguns experimentos com passos puderam ser feitos com os ritmos que recebia de Ali Ismail. Quando terminava a composição ele dava a Mahmoud Reda uma versão gravada no piano, este ouvia, falava sobre ajustes que seriam necessários e utilizava a versão para coreografar. E então, quando Ali Ismail via a coreografia se inspirava para compor mais. Dessa forma, um se inspirava na criação artística do outro e criava mais. No caso de Ali Ismail, criava suas composições não só no piano, mas todo o arranjo. “Quando eu ouvia a orquestra, eu tinha mais ideias, e agora o violino dizia alguma coisa, o derbake dizia algo mais, então eu corrigia meu trabalho e colocava mais ideias. E foi assim. Fomos assim até que se encaixasse.” (Mahmoud Reda)
Dessa forma estes grandes artistas foram agindo de acordo com o que estavam sentindo, de acordo com o que surgia e com o que desejavam criar!
Tanto empenho e criatividade fizeram com que, em meados da década de 70 a trupe contasse com cerca de cento e cinquenta membros, incluindo dançarinos, músicos, figurinistas e técnicos de palco. O repertório da Trupe variava de duetos a danças com mais de trinta bailarinos no palco simultaneamente. O Grupo Reda ganhou notoriedade no Egito e visitou mais de cinquenta países. Apresentou performances de comando no Egito, e em teatros de prestígio no exterior, como The Royal Albert Hall em Londres, Carnegie Hall, em Nova York, Congresso Hall, em Berlim, Olympia Theater, em Paris, Teatro Stanislavsky, em Moscou, Theatro De La Zarzula em Madrid e outros. A trupe também ganhou vários prêmios em festivais de folclore em países como a Áustria, Rússia, Inglaterra, Turquia e Bélgica, entre outros. Os artistas principais, Farida Fahmy, Mahmoud Reda, Ali Reda e Ali Ismail foram condecorados pelo rei Hussein da Jordânia, em 1965, pelo presidente Gamal Abdel Nasser em 1967 por serviços prestados ao Estado através da arte e por Burguiba, Presidente da Tunísia em 1973.
O Grupo Reda fez três filmes: Mid-week Holiday, Love Et The Córner, The Thief of the paper e apresentou mais de trezentos (300) shows, tendo ainda participado em dois filmes musicais: ” Mid year vacation ” e ” Love in Elkarnak.
Mahmoud Reda inspirou muitas pessoas. Chegou a dar aulas para classes de 620 alunas. Levou o folclore egípcio para o palco e foi responsável pela criação de inúmeras coreografias, disseminadas por todo o mundo, dançadas por pessoas de toda parte.
O fim da trupe
A Trupe Reda foi um grupo de dança pioneiro, que pôs em marcha a criação de grupos Folkdance nas províncias, universidades e escolas de todo o Egito. Infelizmente, hoje a Trupe Reda existe apenas no nome. Farida terminou sua carreira de dança em 1983 e continuou seus estudos acadêmicos, recebendo seu título de mestre. Por outro lado - inacreditavelmente - a burocracia do governo já tinha criado muitos obstáculos para frustrar novos desenvolvimentos artísticos, colocando Mahmoud Reda em pensão em 1990. O Grupo Reda foi posteriormente deixada nas mãos de membros da trupe que não possuíam talento ou tendências artísticas ou de direção.
Grande parte dos professores e coreógrafos que surgiram a partir do Grupo Reda, bem como, outros grupos de dança, não produziram quaisquer inovações notáveis ​​até à data, os seus trabalhos só continuaram a perpetuar o estilo Reda, métodos e técnicas e de ensino.

O talento e a criatividade artística dos artistas principais do Grupo Reda trouxeram uma herança de dança teatral que continua a ser uma fonte rica para todos os professores e coreógrafos. Hoje, Farida Fahmy e Mahmoud Reda permanecem na memória coletiva dos egípcios. A memória cheia de admiração e nostalgia.

 “Todo mundo está dançando! Se por alguma razão o Egito parar de dançar – Espero que não! - Todo mundo estará dançando, de qualquer jeito.” (Mahmoud Reda)
Ju Najlah





Bibliografia

MOROCCO, Interview with Mahmoud Reda, disponível em http://www.casbahdance.org/RedaInterview.htm (acessado em 19/02/2012)
FAHMY, Farida, The Founding of the Reda Troupe: An Historical Overview, disponível em http://www.faridafahmy.com/history.html (acessado em 20/02/2012)
About Farida Fahmy, disponível em http://www.faridafahmy.com/about.html (acessado em 26/02/2012)
KLEIN, Cinara, Mahmoud Reda, disponível em http://dudaaeternus.multiply.com/journal/item/20?&show_interstitial=1&u=%2Fjournal%2Fitem (acessado em 26/02/2012)

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É preciso transformar a música em dança, num movimento de fora para dentro, mas principalmente, num movimento inverso, externalizar os sentimentos, transparecer a alma, transformar o corpo em música, em dança, em arte. A unidade se faz em todos os sentidos. O seu estilo de dança não será criado. Ele já existe. Basta você abrir espaço para que ele possa surgir. Dance com alma!

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