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sábado, 27 de abril de 2013

A Dança


Iniciarei hoje uma nova sessão no blog, na qual falarei sobre livros que já li e indico.
Escolherei livros que digam, de alguma forma, respeito ao nosso universo. Livros que falem de dança, do feminino, da cultura oriental, incluindo sua literatura ou de outras questões relevantes.
Não poderia começar essa série de outra forma se não pelo livro "A Dança", de Klauss Vianna. Trata-se de literatura essencial a todos que se propõe a fazer um trabalho corporal. As pesquisas e experimentações de Klauss são de importância imensurável para o desenvolvimento de uma consciência corporal e de uma disponibilidade para o movimento como forma de expressão, um movimento autêntico, limpo, cheio de intenção e afeto.



Postarei aqui a introdução do livro, escrita com imensa sensibilidade por Luís Pellegrini, para lhes dar um pouco do gostinho do que há nessa obra. Escolhi postar a introdução pois não saberia falar sobre o livro de igual forma, com palavras que o traduzissem tão bem.


Introdução



"Este é um livro de Vida, e não apenas de dança. É produto acabado de uma trabalho de observação, experimentação, estudo e reflexão sobre o corpo humano e suas implicações anatômicas, funcionais, emocionais, psicológicas, afetivas e espirituais. Toda essa massa de conhecimento custou ao autor, Klauss Vianna, não apenas as muitas horas passadas nas salas de aula, como aluno e como professor, e o tempo empregado nos seus estudos teóricos: o material aqui contido, além de tudo isso, reflete a própria experiência existencial de Klauss, desde os primeiros anos de vida até os tempos de sua maturidade consolidada.

A obra divide-se em duas partes principais. A primeira, de cunho predominantemente autobiográfico, pode ser lida como um relato, uma reportagem, e, em algumas passagens, até mesmo como um romance. Retrata a trajetória exemplar de uma inata vocação para a dança, surgida no Brasil dos anos de 1930, e que se estendeu, sem interrupção, ao longo de várias décadas, confundindo-se com a própria história da dança no Brasil no período.
O relato é de grande utilidade não apenas para os profissionais da dança, mas também para todos aqueles que pretendem desempenhar, na vida, alguma atividade criativa, seja na área das artes como na da ciência, da filosofia, ou da religião. Ao relatar seu caminho pessoal no mundo, Klauss Vianna transmite uma lição fundamental: a criação humana, não importa qual seja, não pode prescindir da vivência atenta, honesta e paciente da realidade. E a realidade começa no cotidiano, nas coisas mais simples e aparentemente sem importância, por exemplo, e para citar episódios do livro: o sabor dos tomates frescos, o contato com os seios da avó, o balé das nuvens no céu, os movimentos musculares do jardineiro no desempenho de suas funções. É na observação dos processos da natureza, manifestada dentro e fora de si mesmo, que se acumula o acervo das coisas que, depois, constituirão a matéria-prima da obra pessoal.

A segunda parte do livro é o resultado concreto da primeira. Apresentados sob o título de  "A técnica", estes capítulos ganham dimensões surpreendentes. O que Klauss Vianna chama de "técnica" transcende com largueza os limites do significado mais corrente e tradicional atribuído ao termo. Existe uma "técnica Klauss Vianna", mas ela pouco ou nada tem que ver com os sistemas de regras, códigos e princípios ordenados na concepção comum da dança clássica e moderna, tampouco com os métodos de trabalho corporal das - hoje tão em moda - terapias do corpo e similares. Klauss aceita esses sistemas, e os respeita como base histórica e formal capaz de fornecer elementos nada desprezíveis. Mas sua visão vai muito além. Partidário apaixonado da liberdade individual em todas as suas formas, ele rejeita o aspecto de "camisa-de-força" em que esses sistemas se transformam quando aplicados da maneira massificada, ou quando são entendidos como escalas de regras fixas e imutáveis.
Nesse contexto de liberdade - que não significa caos nem desordem indiscriminada -, a dança para Klauss deixa de ser uma profissão, uma diversão, uma ginástica, deixa até de ser uma arte no sentido mais restrito do termo, para se entendida e vivida como um caminho de autoconhecimento, de comunhão com o mundo e de expressão do mundo.

Ao lançar-se em vôos tão amplos, para os quais usa asas de grande envergadura, o autor retoma a visão dos antigos, segundo a qual o homem é um microcosmo que sintetiza em sim o macrocosmo, o universo. Nessa visão, as leis que regem a gênese e a evolução do universo são exatamente as mesmas leis que regem a existência humana. E todo esse sistema universal de leis não conhece, em sua manifestação, a permanência estática: tudo acontece na forma de uma perene dinâmica caracterizada pelo movimento.

A vida, o mundo e o homem manifestam-se por meio do movimento. Dançar é mover-se com ritmo, melodia e harmonia. por tal razão, nas metafísicas orientais, os deuses responsáveis pela criação do mundo são geralmente apresentados como os "Senhores da Dança". Este é, por exemplo, o caso de Shiva Nataraja, o "Senhor da Dança", deus indiano da crianção.

No mito da crianção do mundo por Shiva Nataraja, no princípio o universo era constituído da substância inerte. Cansado de sua imobilidade, Brama, o Absoluto, emana de si mesmo o deus Shiva Nataraja, que já surge dançando. Do corpo de Shiva em movimento emanam ondas sonoras, vibrações e energias que vivificam a matéria inerte. Assim são criadas as infinitas formas do mundo manifestado. Cada uma dessas formas, por sua vez, passa a dançar e a vibrar dentro do mesmos padrões de ritmo, melodia e harmonia da dança original de Shiva. E, portanto, em si mesmas depositárias essenciais de Shiva, todas as formas da criação natural são também, pelo menos em potencial, criadoras. Nisso inclui-se o homem, criação natural e criador potencial.
Essa mesma ideia do homem e do mundo surgindo e evoluindo no eterno contexto de uma dança cósmica que não tem começo e nem fim talvez seja a chave última para a compreensão da proposta de Klauss Vianna. Para o bailarino, este seu livro ensina que a dança, a mais antiga de todas as formas de arte, é uma opção total de vida. Ensina que antes de exprimir na matéria a sua experiência existencial, o homem a traduz com a ajuda do próprio corpo. Alegria, dor, amor, terror, nascimento, morte, tudo, para o verdadeiro bailarino,  é motivo e ocasião de dançar. Por meio dos movimentos da dança aprofunda-se cada experiência e realiza-se o milagre da comunicação.
Para os não-profissionais, Klauss reserva uma revelação substancial: a de que todos somos, sem exceção  bailarinos da vida, todos nos movemos para um único e fundamental objeto: o autoconhecimento.
Pela dança o homem manifesta os movimentos de seu mundo interior, tornando-os mais conscientes para si mesmo e para o expectador; pela dança ele reage ao mundo exterior e tenta apreender os fenômenos do universo. Nessa tentativa, ele se aproxima cada vez mais de seu Ser mais profundo. Ou, fazendo de Klauss Vianna as palavras de Maria-Gabriele Wosien em seu livro a"A Dança Sagrada", "da mesma forma que a criação esconde o Criador, o invólucro físico do homem esconde a sua espiritualidade. Dançando, o homem transcende a fragmentação, esse espelho partido cujos pedaços representam as partes dispersas do todo. Enquanto dança, ele percebe novamente que é uno com seu próprio Eu e com o mundo exterior. Quando atinge tal nível de experiência profunda, o homem descobre o sentido da totalidade da vida.'"

É preciso transformar a música em dança, num movimento de fora para dentro, mas principalmente, num movimento inverso, externalizar os sentimentos, transparecer a alma, transformar o corpo em música, em dança, em arte. A unidade se faz em todos os sentidos. O seu estilo de dança não será criado. Ele já existe. Basta você abrir espaço para que ele possa surgir. Dance com alma!

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